Fukas & Cartões

Aqui há coisa de trinta, quarenta, ou mais anos, tinham as grandes fazendas as suas cantinas, onde os empregados, aviando o dia a dia das suas necessidades, a pouco e pouco, gastavam o que em dinheiro deveriam receber. Eram as Fukas, as dívidas, porque o trabalhador, embora tendo direito ao seu dinheiro, como levava fiado, ficava sempre a dever.
Tinham os patrões a vantagem do lucro, fazendo negócio com o seu próprio pessoal. Aparentemente, não havia desvantagem para os empregados, senão a de não poderem escolher o preço e a qualidade do que compravam. Vendia-se do ruim que havia, pelo preço do bom que não se encontrava.
Os patrões de menos pessoal não tinham cantinas. Pagavam com vales que os empregados aviavam no comerciante que o patrão determinava. Também aqui, não havia prejuízo para os empregados, embora houvesse um lucro evidente para o patrão que pagava no  fim do mês, com uma letra a cento e oitenta dias. Quer dizer que o correspondente aos ordenados de um mês, só seis meses depois é que seriam pagos no banco pelo patrão.
Não havia, como vedes, qualquer lucro encoberto, qualquer percentagem combinada, qualquer intenção que (ao tempo) parecesse menos própria.
Passados estes anos todos, alguém se lembrou das fukas e dos vales, e inventou os cartões a que alguns funcionários têm direito. Recebe-se o cartão, e com ele, o nome do supermercado onde se deve gastar. Teoricamente não há também aqui qualquer desvantagem.
E voltamos ao antigamente: não compro o barato, ou a qualidade que quero, mas ao preço e da espécie a que sou obrigado.
  E é assim, que quem como eu tem cara de cooperante, não vai vez nenhuma ao supermercado que não apareça alguém a oferecer - “ pague com o meu cartão e dê-me o dinheiro”. Isto significa que as pessoas, preferem o dinheiro ao cartão, para fazer dele o que melhor lhes interesse.
No tempo colonial, no tempo dos patrões que apontavam as fukas e pagavam com vales, o que era assim, não podia ser de outra maneira, com os truques e os lucros que a altura lhes permitia.Mas agora, que não há desses truques nem lucros, porque recebemos o cartão com a loja já escolhida? Porque não poderemos escolher a loja que melhor nos convenha? Porque não teremos o direito de levantar o nosso dinheiro em qualquer tesouraria de Banco?
E nem queremos perguntar que concurso se fez, se faz, ou se fará para apurar a loja que melhor serviço garanta ao dinheiro que é de todos nós?
E de repente lembro-me que de pobres e mal agradecidos está o inferno cheio... Com cartão sou pobre, sem cartão sou mal agradecido...quem  pode resolver em cima da minha pobreza, ou da minha má educação?
Ninguém. Nem mesmo o dono do dinheiro que é nosso e não é nosso, que depois desta crónica, é capaz de decidir que não há mais nem vale, nem fuka, nem cantina, nem cartão.

                                                                                                              Dario de Melo