A Baixa Reservada
Quem não tem carro
na Baixa de Luanda (especialmente na Marginal) tem tudo para ser feliz: espaço,
arcadas frescas onde o sol não bate, tonalidade azul-ondulada do mar e,
principalmente, possibilidade de estacionar os pés onde quer que queira.
Quem
tem carro e vem porque trabalha, ou porque tem necessidade, ganha com certeza
uma manhã de mau humor, ou uma tarde que é pura e simplesmente perda de tempo.
De
um lado – pegado ao calçadão – estacionam carros às dezenas, possivelmente das
centenas de trabalhadores que aqui diariamente labutam.Temos pois, que do lado
onde não há prédios estacionarão os que trabalham. Do outro lado, os que
reservam o lugar.
São
as embaixadas, os ministérios, as empresas, os hotéis, todos eles com sítio
para estacionar.
Entre
um reservado e outro, arrumam-se os patrões que não alcaçaram (ainda)
estacionar por reserva e madrugam, quando a marginal está cheia de espaços para
estacionar.
Os
que vêm depois, estacionam no paralelo dos outros, na gosmice de que alguém
saia para lhe ocupar o lugar. São os estacionistas da esperança, que sorvem a
brisa fresca do mar e o remanso doce da preguiça.
A
Marginal que já está reservada a quem a reservou (pagarão todos, o
estacionamento à Administração local?) necessita de encontrar soluções para
tanto tempo perdido, tanto gasto de gasolina e tantas voltas ao encontro de uma
aberta que raramente há.
Se,
por exemplo, a polícia de trânsito não retivesse a carta de condução por uma
infracção tão simples como estacionar errado, podia fazer-se como na Ilha da Madeira. As pessoas estacionariam
em transgressão e os patrões, contando já com as multas, subvencionariam
mensalmente os empregados – tantos dias de trabalho quantas as multas a pagar.
Outra
ideia, é a dos duplos-carros. De manhã o motorista vem e estaciona o carro
mesmo à frente da empresa. Às dez horas o patrão chega - sai o empregado, dá-lhe o
lugar e estaciona no paralelo. Ao meio dia o patrão sai e o chauffer entra
novamente e reserva outra vez o lugar.
Para
quem como nós, não tem dinheiro para construir parques de automóveis
subterrâneos, ou até silos, que são assim, armazéns em altura onde se guardam
carros, e não havendo, ali na marginal,
nenhum palácio históricamente velho para se deitar abaixo e se lhe
aproveitar o terreno, teremos de ir para a solução das plataformas de pernas
altas.
Por
detrás uma das outras, estacionam-se os carros, uns em baixo, outros em cima.
Nesta
Marginal reservada e sem lugares, há qualquer coisa de “dejá vue”. Aqui, não há
carro que consiga estacionar, como mais adiante, na Ilha, não há banhista que
qualquer dia consiga chegar à praia.
As
Lanchonetes constroem-se tão pegadas uma às outras que, ou a Administração
pensa fazer pontes aéreas para quem queira ir tomar banho ou, com
o tempo, as praias irão sofrer uma espécie de processo de privatização – para
atravessar um bar e chegar à praia,
vai ser preciso pagar.
Porque
atravessar suja, porque atravessar incomoda e afasta os clientes, porque
atravessar, barulha e desassossega o descanso de cada um.
Assim
como nas boites sem consumo obrigatório, mas com bilhetes de entrada.
Vamos
apostar ou não vamos, no bilhete obrigatório para se poder entrar nas praias?