A Luz da Minha Rua


Aqui, na minha rua - Rua 12, no antigamente chamado Musseque dos Embondeiros - de luz, nunca houve razão de queixa. Vem de um lado, fraquinha e própria para  alumiar mortos, vai do outro, numa de arrebenta geleiras capaz de torrar  vivos
Antes do Natal - de todos os natais - a luz começa a soluçar: dá e não dá, acende e não acende, foge de dia e volta lá muito pela  madrugada. Ou é da emoção das prendas, do nervosismo das festas, ou do cansaço das compras. De qualquer modo: melhor que muitos estamos nós, que de luz que se quer luz, não a têm, nem de noite, nem de dia.
O que a gente está, é mal habituada. Esquecemo-nos da nossa infância: do calor a bater no zinco, a torrar a cama e do candeeiro a petróleo. Esquecemo-nos, principalmente, do céu. Do tempo em que a escola ensinava até a estrela Polar que só havia na Europa e a outra, que morava aqui, e se chamava Cruzeiro do Sul.
Ainda houve quem, deitando postes abaixo, nos tentasse reabituar à beleza dos céus nocturnos  e acabou por obrigar esta luz-menina à vida  pouco recomendável que hoje leva: dia e noite folgando em casa de gente rica, chega à nossa rua bêbada de sono, pelas duas ou três da madrugada e dorme o dia inteiro.
É uma luz que anda na vida a tropeçar na sua própria escuridão. Uma luz que nunca mais dá à luz, uma luz m’baka, sem filho nem gravidez. Uma luz doente, magra e amarela, com uma hepatite daquelas, que quando se chamava icterícia só se curava com burututo e chá de barbas de milho. Será que temos mesmo de começar a lavar a nossa luz, a luz da nossa rua, com burututo e barbas de milho?
  Enquanto lava e não lava é como dizem os antigos: “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”. O que cresce a quem se deita cedo, não sei, mas sei como os namorados se namoram mais namorativmente nesta escuridão em que estamos.
Talvez por isso, ande o pai da rapariga pela rua aos tiros, porque quer matar o rapaz   (mas não mata, senão fica sem o genro) e  acabem todos amigos, numa festa de casamento daquelas  antigas. Não como as de antigamente, que eram assim: “comer até rebentar e o que sobra deita fora”, mas das antigas de agora, onde o que ainda não sobrou, já está a ir rapidamente no deita a dentro dos  sacos de plástico.
A luz da minha rua é assim: às vezes vem, às vezes não vem. Quando vem, a gente agora nem vê os buracos, porque o Senhor Governador mandou alisar a rua, quando não vem, quem ainda lembra a geografia do céu, pode deleitar-se no escuro com o cruzeiro do sul.

Dario de Melo